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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Livros

“O livro é um mundo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”.

Padre António Vieira (1608/1697)


"Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido."

Almada Negreiros (1893/1970)


“É ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se pode derramar lágrimas sobre um disco rígido”.

José Saramago (1922/2010)




Os livros são grandes companheiros, com muitas semelhanças com os cães, mas sem necessidade de serem levados à rua periodicamente. Claro que se podem transportar connosco, mas não por necessidade do livro, mas sim nossa.

Os livros alimentam-se de quem os lê, não de quem os escreveu. As palavras que estão nos livros tornaram-se independentes e possuem vida própria na mente do leitor, vida esta que não é obrigatoriamente a mesma que o escritor pensou.

Com um livro aprende-se, sonha-se e fantasia-se. Os livros reflectem a mente e os conhecimentos de quem os escreveu mas não são o escritor. Aquilo que alguém escreve não é o próprio. Os livros não são nem filhos, nem necessariamente a expressão directa da personalidade e do temperamento de quem os escreve. Podemos admirar o escritor e detestar o homem. As palavras e o modo como se unem, formando frases com significado, soltaram-se da mente de quem as escreveu e passaram a ter vida própria.

Claro que um livro não precisa de trela, desloca-se por si próprio, mas não se pense que ler um livro não dá trabalho. Dá mais trabalho ler um livro do que uma revista ou um jornal.

Há livros que são adições, compulsões. Há outros que são perdições. Há leituras difíceis ou impossíveis. Será que uma pessoa deve  desistir se a leitura a aborrece, se lhe exige que pense? Parece-me que sim. Há tantos livros para ler, porquê ler um que não se aprecia. Por outro lado, se desistimos às primeiras dificuldades podemos estar a perder um livro que nos poderia vir a estimular e até a apaixonar.

Há que distinguir entre a leitura por obrigação e a leitura por escolha. Ambas são enriquecedoras. Acho que se não tivesse sido obrigado a ler alguns livros, saberia muito menos do que sei. Também penso que, muitos dos que li de livre vontade, podem não me ter deixado saudades nem conhecimentos.

Nos livros aprende-se tudo o que a vida tem para dar, ainda que os livros não ensinem a viver.

Os livros não são receitas culinárias ou médicas. Os livros de auto-ajuda são caricatos e ridículos. Têm apenas utilidade para quem os escreveu, ao contrário de todos os outros. Se as explicações para ser feliz estão todas expressas nos livros porque é que nós não somos felizes? Afinal bastaria levar a efeito as orientações aí constantes.

Os livros de medicina, de astronomia, de economia, de psicologia, de biologia, de matemática...enfim, todos os livros que já foram escritos e os que se hão-de vir a escrever ensinam tudo sobre o que se pensa que se sabe sobre qualquer matéria. Os livros explanam e plasmam a mente humana, uma vez que nenhum outro animal escreve. Têm linguagens próprias mas não as passaram a escrito, por isso o saber acumulado perde-se. Há excepções, mas de um modo geral, cada geração tem que efectuar o percurso desde o início.

Nos seres humanos não é assim. Claro que a cultura não se reduz aos livros e à leitura, mas a acumulação de informação e a sua transmissão geracional cumulativa são, por si, enormes bibliotecas ambulantes. As maiores bibliotecas do mundo são as pessoas. Comparativamente àquelas onde se acumulam os livros são pequenas prateleiras Billy com alguns livros avulso arrumadinhos. Agora há as pens, mas também essas e os discos minúsculos com não sei quantos terabytes e muitos outros mecanismos de acumulação de informação se hão-de inventar.

Continuaremos a ler e a escrever, mas vamos poupar a natureza nesse processo. Afinal os livros são feitos de árvores.

Vamos resistir à mudança, como sempre esta espécie faz, mas a curiosidade que também a caracteriza, vai suplantar essa  inércia.

Os livros vão desaparecer. Serão objectos de museu.


O Lobo, já a lacrimejar com o resultado a que esta prosa o conduziu.

1 comentário:

  1. Não sei se os lobos choram...mas incomodam-se e manifestam-se...uivando....e contra essa ideia do fim do livro...matilhas surgirão...uivando.

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