Páginas

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Gaivota





Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.


Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.


Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.


Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill (Lisboa - 1924/ Lisboa - 1986)

Nota 1: Este poema é a essência da lírica do fado na sua modernidade. Mantém o romantismo de sempre, aborda um amor que pode terminar, na atmosfera de uma Lisboa intemporal e azul onde o mar e as aves transportam sentimentos. Maravilhoso O´Neill que expressou deste modo a alma  eterna de uma cidade e da sua ligação aos sentidos e aos sentimentos. Não é impunemente que se nasce,  se vive e se morre em Lisboa. Com a música de Alain Oulman, este poema, nas vozes de Amália ou de Carlos do Carmo, é o fado que o Lobo ouve vezes sem conta, descobrindo-lhe sempre uma intensidade e uma expressividade novas. É um fado fetiche, já muito distante da faca e alguidar do início do século, mas sempre com as  palavras e a linguagem musical essenciais.







Nota 2: Fotos do Lobo - Lisboa - Parque das Nações e Cacilhas.

Links interessantes:


Carlos do Carmo  - Gaivota: http://www.youtube.com/watch?v=RukhDLCFgzk


Sem comentários:

Enviar um comentário